O Globo, Ciência, p. 38
10 de Fev de 2012
Promessa é dúvida
Fontes limpas de energia enfrentam obstáculos para ganhar espaço na matriz mundial
CESAR BAIMA
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Um dos temas-chave da Rio+20, conferência global do meio ambiente que acontece este ano no Brasil, as fontes limpas e renováveis de energia enfrentam obstáculos para ganharem o espaço dos combustíveis fósseis na matriz energética mundial. Altos custos, baixa eficiência e pouca confiabilidade atravancam a expansão da geração solar e eólica, enquanto tecnologias como células de hidrogênio, etanol de celulose e biocombustíveis feitos com algas ainda não am de promessas, demandando mais anos ou décadas de pesquisa e desenvolvimento para chegarem às ruas do planeta.
Segundo o relatório mais recente da Agência Internacional de Energia, as usinas solares, eólicas e outras do tipo responderam por apenas 0,8% de toda a energia no mundo em 2009. Enquanto isso, o último relatório especial do Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas sobre fontes renováveis prevê quatro cenários para o avanço no seu uso. No mais otimista, elas representariam 77% da energia do mundo em 2050, ajudando a manter a concentração de gasesestufa na atmosfera abaixo de 450 partes por milhão de dióxido de carbono, o suficiente para que a elevação da temperatura média global fique abaixo de 2 graus Celsius até o fim do século.
Já no cenário mais pessimista, a participação das fontes renováveis ficaria em apenas 15% do suprimento total de energia do planeta, com consequências desastrosas para o clima. Para evitar que isso aconteça, é necessário que sejam implantadas políticas fortes de incentivo à substituição dos combustíveis fósseis, defende Luiz Pinguelli Rosa, diretor da Coppe/UFRJ.
- O mercado não resolve tudo e o mundo está acordando para isso - diz. - É preciso a presença do Estado, dos órgãos reguladores, incentivos e planejamento, pois o principal empecilho para o avanço das fontes alternativas é seu alto custo comparativo. Hoje, carvão e gás natural, grandes emissores de gases-estufa, são as principais fontes de energia e vão continuar muito mais baratas do que as alternativas. Se não houver uma atitude enérgica, elas vão demorar muito para terem um peso significativo na matriz.
Discurso mais otimista que real
l Nas ruas e estradas, os combustíveis fósseis deverão continuar a abastecer os tanques dos veículos ainda por muitos anos. Em todo mundo, a única iniciativa com resultados significativos ainda é o programa de etanol de cana brasileiro e, mesmo com todos incentivos e subsídios, o etanol de milho dos EUA é "sujo" e pouco eficiente, afirma Jayme Buarque de Hollanda, diretor-geral do Instituto Nacional de Eficiência Energética (Inee).
- A maior parte da energia utilizada para produzir o etanol de milho americano vem de usinas a carvão, o que faz com que ele na verdade seja de 70% a 80% combustível fóssil, e não exatamente uma fonte limpa e renovável - considera. - E mesmo o Brasil está tomando o caminho errado. Os carros flex na verdade são um crime em termos de eficiência, uma solução que não é boa tanto para o uso da gasolina quanto do álcool.
As outras opções para alimentar a frota mundial de veículos, como células de hidrogênio, etanol de celulose e biocombustíveis de algas, ainda precisam de muito tempo para que as tecnologias sejam desenvolvidas, amadureçam e se tornem comercialmente viáveis, diz Roberto Schaeffer, professor de Planejamento Energético da Coppe:
- O discurso é mais otimista do que a realidade. Ninguém consegue ver nenhuma dessas tecnologias se tornando minimamente importantes antes de 2025. E os carros elétricos e híbridos, embora sejam um o à frente, não são a solução. Não adianta o carro ser 100% elétrico se a energia que o alimenta é de uma usina a carvão. Só se estaria trocando poluição local por global.
Segundo especialistas, a energia solar é e continuará muito mais cara que as fontes tradicionais nos próximos anos. Em geral, os painéis solares conseguem converter no máximo 20% da radiação recebida em eletricidade. E isso em dias claros e com iluminação direta do Sol. Além disso, uma simples poeira pode reduzir muito seu rendimento, sem contar que as usinas só geram energia durante o dia.
O panorama para a energia eólica, por sua vez, é um pouco melhor. Graças aos ganhos de escala na fabricação dos equipamentos com os fortes investimentos no setor, seus custos caíram acentuadamente nos últimos anos e sua eficiência aumentou. Mas, assim como a solar, ela também está muito sujeita às condições do clima, trazendo incertezas que farão com que sirva apenas como fonte complementar às tradicionais ainda por muitos anos.
- É preciso que tenhamos um pouco de tudo - defende Schaeffer. - Na hora que a China deixa de fazer uma usina a carvão para montar um parque eólico, por exemplo, a conta vai melhorando em favor do clima. Não será fácil repor o que se tem hoje só com fontes renováveis, mas vamos começar a ver uma transição nesta direção.
Falências e prejuízos, apesar dos programas de incentivo
Lógica do mercado é mais forte que subsídios
Na primeira década dos anos 2000, a disparada dos preços do petróleo fez crescer o interesse pelas fontes alternativas de energia. De olho nos lucros futuros, empresas de capital de risco investiram fortemente no setor, enquanto governos montavam programas de incentivo e subsídios para estimular seu crescimento. Com o tempo, porém, o recuo na cotação do barril tirou a vantagem econômica dos empreendimentos e a lógica de mercado prevaleceu, com muitos deles acumulando prejuízos e indo à falência. Um exemplo ilustrativo disso é a Solyndra, fabricante americana de cilindros fotovoltaicos, que eram para ser a "nova geração" da energia solar. Fundada em 2005, ela recebeu centenas de milhões de dólares em investimentos e empréstimos, prontamente gastos em pesquisa, desenvolvimento e na construção de duas fábricas. Mas, mesmo com todos os subsídios, o preço da energia produzida por seus equipamentos ainda era o dobro do pago no mercado e suas vendas não decolaram. A concorrência dos fabricantes de paínéis fotovoltaicos chineses e o salto na produção de gás natural nos EUA com as novas técnicas de extração, foram a pá de cal na empresa, que entrou com pedido de falência na Justiça americana em setembro ado. A crise econômica tampouco estimula experiências.
O Globo, 10/02/2012, Ciência, p. 38
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