OESP, Metrópole, p. A17
30 de Mai de 2025
Licenciamento ambiental: 4 'jabutis' no projeto entram na mira de parlamentares pró-Marina Silva
Frente ambientalista cita mudanças que estariam fora do alvo principal do PL; defensores do texto falam em reduzir burocracias
BRASÍLIA - O projeto de lei que altera o licenciamento ambiental no Brasil, aprovado no Senado na semana ada, traz mudanças que impactam obras em estradas, exploração de petróleo, e até regras de conservação da Mata Atlântica.
Parte das mudanças, porém, foi incluída por emendas e tem sido vista por parlamentares como "jabutis". Ou seja, são alterações implícitas no texto que afetam áreas que não necessariamente são o alvo principal do projeto.
Procurada, a assessoria da senadora Tereza Cristina (PP-MS), relatora do projeto, disse que as justificativas técnicas para as emendas estão no relatório. Autor de uma das sugestões, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), diz que um dos principais argumentos é reduzir a burocracia.
Segundo os defensores do PL, o objetivo é simplificar e flexibilizar os processos para as atividades consideradas de menor impacto.
Na terça-feira, 27, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, se reuniu com o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), para pedir debate amplo sobre o projeto antes da votação. A reunião aconteceu após a ministra se envolver no mesmo dia em um bate-boca e abandonar uma sessão no Senado. "Não posso aceitar que digressões sejam feitas de forma desrespeitosa", disse Marina após a discussão.
A Frente Parlamentar Ambientalista entregou nesta semana carta a Motta listando os problemas da revisão do licenciamento e pedindo para que o texto não seja pautado na Casa - ainda não há data para a votação.
O grupo - que inclui apoiadores do governo e mais parlamentares envolvidos com a causa ambiental - também publicou nesta semana uma nota em apoio a Marina Silva após a discussão no Senado.
Veja abaixo quais foram os trechos apontados como "jabutis" no projeto de lei:
Licença Ambiental Especial
A emenda proposta por Alcolumbre cria a "Licença Ambiental Especial" (LAE). Ela prevê que projetos classificados pelo Conselho de Governo (órgão de assessoramento à Presidência da República) como "estratégicos" tenham processo priorizado.
Ao Estadão, a assessoria de imprensa do senador disse que a proposta visa a reduzir a burocracia e "está ancorada em três pilares: rigor técnico, controle institucional e celeridade procedimental".
Ainda segundo ele, a licença especial "não confere liberdade irrestrita ao Executivo, pois a proposta parte de um órgão colegiado" nem retira a exigência de cumprir padrões ambientais. Acrescenta que o modelo é inspirado em modelos do exterior, como o da Espanha.
O texto afirma que essa licença "deverá ser priorizada, pelas entidades e órgãos públicos de qualquer esfera federativa".
A emenda determina que esses projetos tenham trâmite mais simples, com só uma fase, sem análises segmentadas antes da instalação do empreendimento, durante e na etapa de operação.
A medida estabelece prazo de 12 meses para análise dessas licenças. A título de comparação, o processo de licenciamento do Bloco FZA-M-59, na Margem Equatorial da Foz do Rio Amazonas, tramita desde 2014. Esse pedido inclui o plano de explorar petróleo na região, que não fica na floresta, mas em uma área entre o litoral do Amapá e o do Rio Grande do Norte.
Na prática, o mecanismo poderia favorecer esse processo, que é defendido pelo presidente do Senado.
Ele tem sido chamado de "Licença da Pressão Política" pelos ambientalistas, que veem risco de tornar o processo suscetível a interesses danosos ao ambiente.
"A emenda abre espaço para negociatas, clientelismo e outras formas de corrupção institucionalizada, ao permitir que projetos sejam priorizados com base em influência política e que grandes investimentos sejam destravados sem qualquer análise técnica", diz a Frente na carta ao presidente da Câmara.
Prioridade de tramitação
Na esteira da facilitação de licenciamento, outra emenda concede processo simplificado para empreendimentos considerados de "segurança energética nacional", com prioridade de tramitação caso estejam previstos nas políticas energéticas nacionais.
A análise de ambientalistas é de que os termos usados no texto permitem interpretação ampla, que pode favorecer empreendimentos altamente poluentes, como a construção de termelétricas a carvão.
Na justificativa da emenda, o argumento é a "necessidade premente de expansão da capacidade energética do Brasil" somando à suposta "morosidade excessiva" do processo de licenciamento.
Obras
Outra emenda prevê que o licenciamento ambiental de obras de pavimentação em vias pré-existentes possa ser feito por meio de Licença por Adesão e Compromisso (LAC).
A LAC dispensa a análise individual do projeto desde que haja compromisso em aderir a condições pré-estabelecidas. Hoje, o mecanismo é permitido só para obras de pequeno porte, mas o novo licenciamento expandiria a licença para obras maiores.
Na justificativa da emenda, o argumento é de que as rodovias pré-existentes precisam de manutenção e não faz sentido demandar novo licenciamento para isso.
"A rodovia BR 319 (Rodovia Manaus-Porto Velho) já foi um dia pavimentada e, agora, para sua devida manutenção, a burocracia e a falta de um aparato normativo apropriado têm emperrado a sua recuperação", diz o texto.
Há um ime na pavimentação da BR-319. Ambientalistas consideram que a obra vai aumentar o risco da entrada de grileiros e madeireiros em um dos trechos mais preservados da Amazônia. Já os defensores do projeto ressaltam a importância da ligação terrestre entre as capitais do Amazonas e de Rondônia.
A obra gera divergência dentro do próprio governo. Enquanto a área ambiental vê o projeto com ressalvas, o Ministério dos Transportes, também favorável ao PL do licenciamento, defende a obra.
Na carta, os parlamentares ambientalistas destacam que a emenda, ao permitir a pavimentação da BR-319, "gerará um desmatamento sem precedentes" no Amazonas.
Mata Atlântica
Um acréscimo no PL do licenciamento suprime parágrafos da Lei da Mata Atlântica, o que fragiliza a proteção do bioma, segundo organizações ambientalistas, como Instituto Socioambiental e SOS Mata Atlântica. A emenda prevê revogar trechos sobre a autorização do desmate de vegetação primária e em áreas com estágios médio a avançado de regeneração.
Conforme o Observatório do Clima, outro problema do novo licenciamento é abrir brecha para que trechos da Mata Atlântica sejam suprimidos sem anuência da União e Estados. A lei prevê análise de órgãos estaduais para autorizar o desmate.
A justificativa é de eliminar conflitos da Lei da Mata Atlântica com a futura regra do licenciamento. Ao Estadão na semana ada, Tereza Cristina afirmou que a medida "não muda nada do que é feito hoje" e foi incluída no marco do licenciamento "apenas para uniformizar procedimentos legais".
A Mata Atlântica é o bioma mais devastado do Brasil. Restam apenas 24% da vegetação original. No ano ado, o desmate na região caiu 14% na comparação ao ano anterior, mas especialistas apontam a necessidade de redução ainda maior.
Essa cobertura vegetal é fundamental para regular temperaturas e preservar nascentes e rios, que garantem o abastecimento de água para grandes centros urbanos, como São Paulo.
OESP, 30/05/2025, Metrópole, p. A17.
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